terça-feira, 27 de junho de 2017

Silêncio

A primeira bofetada veio dolorida
Deixou a mandíbula rangendo
A pele latejando
Gosto de sangue na boca
Um zumbido no ouvido.
Na segunda fiquei ainda um pouco zonza
Desconcertada
Como se algo estivesse fora do lugar
Fui revisitada por meu fantasma particular
A forma etérea do que há tempos é só ausência.
Da terceira vez fiquei de pé.
A pele parecia de aço
Busquei no sentimento alguma lágrima
Mas não encontrei nada que me fizesse lamentar.
Existe um incômodo, não minto.
Mas, busquei invocar sua imagem
Para dizer umas palavras de despedida
E nenhuma me veio à mente. 
Talvez seja essa a razão de evitar tanto os pontos finais
Enchemos a lembrança de significados
Mas a verdade é que depois do fim não há nada
Só silêncio. 





Terra seca

Escrevo porque tomei minha dose diária de masoquismo
E agora esse gosto amargo parece espremer
Minhas glândulas salivares
Um nó nas amígdalas
Sucede a linha de metal que se prolonga da agulha
Que cutuca meu peito
Só sei escrever assim, quando tudo me parece desconfortável
E não há outra forma de caber no mundo.
Quando todas essas insatisfações se fazem interrogações
Que se cravam debaixo das minhas unhas
E a insuficiência marcada no meu corpo
Tão comum e pálido
Me dá arrepios
- Passo pela rua com o senho franzido
Alguém chama meu nome, tenho que me virar porque mais uma vez passei batido
"Que cara de preocupação!" Estou sempre dentro de mim
Percorro caminhos sem ver por onde ando
Procuro a mim mesma
Em algum lugar entre os fios de metal que compõe meu sentimento
E me perco na teia de minha própria urgência -
Talvez tenha me encontrado mas esteja inconformada com o que vejo
(Nada me amedronta mais
Que o momento em que tenha que parar
Essa correria incessante
Calar minhas lições sempre tão seguras de si
Fazer as contas de tudo o que fui até aqui
E talvez descobrir o débito que tenho com a menina de 6 anos com o rosto apoiado nas mãos).
Tenho vivido um dia depois do outro, e o limite entre eles fica cada vez mais turvo
Da janela do facebook tudo parece bem, as pessoas parecem felizes
A realização parece um fruto de fácil plantio
Que em toda terra cresce e que a natureza dá de bom grado a quem o saiba colher
Enquanto a árvore de minha vida seca e se encurva
Como, aliás, todas as outras árvores de minha casa.
Para não dizer que seja tudo infertilidade
Confesso a existência de uma única fruta
Escondida debaixo da terra, debaixo da minha pele
O pulsar único, a linha-guia da minha alma, a essência viva do meu sangue
Uma fruta vistosa e brilhante, de uma polpa ácida que corrói os dentes
Ou então, apodrecida na casca, mas contendo o néctar mais doce do mundo em seu interior
A depender de quem a come
Minha poesia.








terça-feira, 6 de junho de 2017

Alvo Revolucionário

Atravesso a rua de peito aberto
Morro de medo e ao mesmo tempo
Quero me lançar a todo corte
Esse ano o que mais ouvi é que sou uma mulher forte
De fato, nunca abri mão da minha voz
(Custasse o que custasse - e custou sempre muito caro)
Só recentemente entendi a violência que segue em meu encalço
A violência que desperto
Por não ocupar o lugar certo
Por jamais ter usado salto
(Que mulher teria pernas para assim se manter de pé num palanque?)
Salto pra mim é um pulo alto
Aquele que me desafio a dar a cada instante
Para atingir o alvo, alvo revolucionário.
Alto, revolucionária!
Está traçado o meu calvário.
Reneguei todas as coisas que me eram destinadas
Não quis ser submissa ou educada
“Ela é uma pessoa difícil”.
Convenhamos, há que se ter na mão uma enxada
Para enfrentar todo terreno que se desbrava
Modifico o chão que piso.