segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Hemorragia

Eu tenho uma dor dentro do peito que passou a morar comigo
Não sei se é solidão, falta de um amigo
Não sei se foram más escolhas, alguma espécie de castigo
Não sei se estou fugindo da raia, renegando o meu destino
Ou se nunca houve nenhum plano e eu me acomodei nesse caminho
Não sei se nas linhas da minha mão há algum tanto de carinho
Não sei se eu não soube achar a rosa ou se a vida é só espinho
Não sei se sou mais corajosa ou se saí de vez do trilho
Não sei se mergulho de uma vez na vida ou se puxo o gatilho
Não sei se a revolução nunca foi possível ou se eu é que já não acredito
Não sei se já houve alguma salvação ou se não passou tudo de um mito
Já não sei dizer bem o que ainda alimenta o meu espírito
Eu continuo respirando mas já não sei pelo que sigo
Talvez eu esteja olhando demais pra mim, pro meu próprio umbigo
Ás vezes eu só queria me encolher toda em algum tipo de abrigo
Eu sinto tanta saudade do meu melhor amigo.

Sei que tenho um grande amor frustrado
Esse abandono imenso marcado
em brasa na minha pele.
Tenho toda essa gente que de repente se vai
Tenho a ausência da minha mãe e a expectativa esmagadora do meu pai
Essa dificuldade de me amar, de me bastar, esse medo de ser esquecida
Tenho todos esses não's, todo esse vazio, pouca grana, muitas dívidas
Essa teimosia, essa completa falta de norte
Uma tonelada de dúvidas
Preciso de distrações, preciso conhecer pessoas, preciso mudar de cidade
Tenho rinite, verrugas, preguiça, a coluna torta
Eu tenho uma namorada morta
E esse oceano de saudade.





segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Baile de máscaras

Me sinto desajustada
Enquanto caminho por entre as vitrines de sorrisos decorativos.
Num jogo caleidoscópico
Em que pessoas inteiras se perdem
Nos reflexos partidos de sua própria imagem virtual
E como feitiço tornam-se máscaras
Ninguém me enxerga.
De que me valem estas presenças surdas a tudo que digo?
Presenças que também não me contam histórias
Estão ali mas não estão de fato
Porque não me tocam e não me permitem tocá-las
São impermeáveis e ocas.

Pois prefiro a solidão sozinha
Que viver a solidão no meio de rostos que mais me parecem
Invólucros plastificados
Manequins
Companhia de plástico e verniz
Condicionada a rir mecanicamente nos momentos felizes
E virar o rosto diante de qualquer tristeza.
Se constrangem em rubor de blushes artificiais
Quando sangro publicamente
Quando quebro as leis e choro...

Está proibido ser triste neste carnaval.







sábado, 6 de fevereiro de 2016

A velha e o nada

https://www.youtube.com/watch?v=DUqejMZZxP0

Ando pensando que a vida é uma sucessão de nadas.
Se esses nadas se tornam algo, é porque atribuímos significados.
Quando, no entanto, a tristeza rouba a energia que nos permite criar sentidos, e a crueza da vida arranca abruptamente toda a proteção meticulosamente bordada sobre as pontas afiadas da realidade, sobra a secura sem fim desse mundo áspero. Tudo fica vazio.
Viver, nesses dias, tem sido um esperar eterno, não sei pelo quê. Um esperar eterno pelo que sei que não volta.
Sento e espero por um futuro que, com sorte, será tão bom quanto algum momento no passado.
Rezo para que logo seja novamente capaz de me enganar. Talvez algum novo amor me devolva os óculos coloridos de distorção do que vejo. Talvez alguma crença numa mudança que hoje sei impossível.
A humanidade falhou e eu falhei com ela. Sou um fracasso, somos. Esse sentimento de que tudo deu errado... esse tanto que sonhamos, a vida que pensamos, aquela casa, aqueles filhos, aquele mundo que era melhor, que era um lugar pelo qual valia a pena lutar, dar a vida por, tudo isso deu em lugar nenhum.
Se eu fosse como as outras pessoas, deveria só aceitar que acabou e recomeçar. Mas eu dou demais de mim e quando prometi o eterno, sem querer me peguei falando a verdade.
Se o eterno acabou sendo um ponto final logo ali, dois passos à frente, eu fiquei então com um eterno nada depois dessa vida que morreu.
No passado, eu limitei a felicidade futura, eu dei a felicidade futura praquela promessa de depois. Não houve depois e agora tudo está perdido.
Tudo está perdido.
Eu estou perdida.


Continentalidade

Na maior parte do tempo procuro olhar para a sua personalidade terra-firme
sua continentalidade
como algum tipo de cais, calmaria
para minha alma tempestuosa
para o meu coração em brasa
como um emplastro pras queimaduras que me causo
com a minha vitalidade quase destrutiva
com essa vontade de viver que é tão grande
que beira a neblina das alucinações
que beira o salto sobre o precipício
Na maior parte do tempo procuro olhar pra sua sensatez
pra sua sobriedade
como algum tipo de lastro
que me ajuda a manter a firmeza
quando tudo chove em mim
quando sou somente tempestade
e trovejo.
Algo que me segura, que impede que eu me lance inteira
que eu me afunde instantaneamente
e me aprofunde demasiadamente neste sentimento
um constante lembrete de que não devo me envolver tão rápido
de que o meu pavio não deve queimar tão de repente
de que preciso me preservar
de que preciso me manter sólida, independente de
tudo.
Tenho encarado assim, como um aprendizado
como um desafio e uma forma de estar de frente com o que é mais difícil
com o silêncio que jamais fez parte de mim
e jamais pude compreender.
Porque eu sou palavra, poesia, vida em movimento
eu sou dor, alegria e amor transbordando por todos os poros
eu sou a vontade que brota do útero
em flor e desejo.
Eu sou o batom escuro demais, o tênis sujo inusitado
os anéis enferrujados, o cabelo que de supetão se torna mais curto.
A sua solidez
eu gostaria que me fizesse menos fluida e mais concreta
para que eu sangrasse menos
para que eu pudesse erguer meus escudos
e pudesse descobrir alguma forma de viver o amor com tranquilidade
sem tanta urgência
sem precisar me consumir tanto, tudo, sempre tudo.
Na maior parte do tempo, procuro mergulhar na sua tranquilidade
na sua risada leve
no seu olhar que oferece um sorriso de ternura
e que, numa análise mais cautelosa
percebo que oferece também uma ruga de preocupação
(porque no seu mundo há sempre a vírgula da crueza da realidade
a vírgula que te coloca em contato com a terra).
Na maior parte do tempo, procuro aprender a me sustentar
observando as bases firmes da sua engenharia
sua lealdade, sua coragem
sua certeza de um caminho que nunca se desvia
sua persistência nos seus próprios rumos
os que você traçou no seu chão.
Há, no entanto
dias em que eu só queria que você pudesse aprender um pouco comigo também
a ser mais água, mais ar
a jogar tudo pro alto e inventar a liberdade
a usar a criatividade pra ir tão além dos padrões da vida rotineira
pra expandir os próprios horizontes
e encontrar o sabor da intensidade
ao enganar o dever
e cavar no tempo apertado
o tempo de viver.