segunda-feira, 20 de junho de 2011

Acalanto

- Estupendoirreverentemelancólicoprofundointensomergulhonopulsonosanguenalma!
Foi o que Alicia, uma das críticas de arte mais jovens de seu tempo, metida à entendida e com um corte de cabelo francês, soltou num único fôlego ao encontrar pela primeira vez a obra de Renato.
O quadro tinha uma pegada vanguardista, qualquer coisa expressionista, mais ou menos abstrata e surreal.
A moça quis conhecer o tal Renato, da caligrafia quase ininteligível e dos quadros emocionais, e surpreendeu-se ao se deparar com um homem que não parecia ter completado nem seus trinta anos de idade, de aparência absolutamente jogada, cabelo mal cortado, barba mal feita, unhas sujas, e por trás disso tudo, um rosto de rapaz bonito e bem criado.
Chamou-o para tomar um café em sua casa, e discutir suas obras e influências artísticas, mas assim que o rapaz colocou o pé para dentro da linha da porta de seu apartamento, Alicia envolveu-o em seus braços e saciou em sua saliva a sede de seu desejo.
Foi um ato desesperado de quem precisava romper a monotonia inerte e perpétua, agitar a alma e expulsar o tédio. Agora jaziam os dois no chão, semi-mortos em meio a livros e textos manuscritos, milhares deles, incrivelmente rasurados.
Jaziam em meio á própria solidão doída e veladamente compartilhada.
Renato pegou um dos livros empilhados, e não pôde resistir à vontade de perguntar a ela de quem era a dedicatória, cheia de tantos versos de amor.
E como se tivesse esperado sempre por este momento, Alicia olhou bem nos olhos de Renato e narrou toda a história de seu amor e seu fim catastrófico, e Renato sentiu-se à vontade para contar da sua grande decepção, encarnada numa ruiva inglesa, que parecia ter saído do velho mundo para roubar-lhe a paz.
Os dois ficaram assim, falando de toda a mágoa que até então se encontrava calada, em plena intimidade, até o dia amanhecer e os primeiro raios de sol irem encontrar seus corpos jogados no tapete da sala, pela porta da varanda.






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