sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Transfiguração

Essa história começa num olhar, como qualquer história de amor que se preze.
Verdadeiras histórias de amor costumam ter elementos que as fazem sinceras (lhe aviso para que não crie expectativas): o amor verdadeiro é cheio de vitalidade e morte, é intenso, queima muito rápido, deixa uma dor que parece não ter fim, mas tem: a dor e o amor.
Se não doer não é amor. Finais trágicos são esperados.
Enquanto fazia o café, me perguntava sobre a tragédia do amor... E o que me veio á mente foi que, ao contrário da imagem que é insistentemente construída, amor não tem nem nunca teve qualquer ligação com a felicidade, o amor não faz compromisso com a felicidade. Não, não. Ele é complexo demais.
Amor se faz melhor na tristeza. Na solidão triste criam-se laços de tal forma penetrados na pele, que jamais serão esquecidos, na dor é que se encontra o êxtase completo, no descanso do conforto de outro ser, na tristeza somente, somente á flor da pele, somente em carne viva o amor se faz.
A-mor, duas sílabas, A-M-O-R, quatro letras. Uma palavra que agrega tantos significados não deveria ser no mínimo mais comprida? Sonoramente mais intensa? Não, não. Amor é muito simples também.
Amor surge num olhar, num pensamento, em mãos que se tocam despreocupadas por acaso.
E quando ele surge, só há como vivê-lo, até que morra, como todas as coisas.
E esses dois, dois adolescentes, absolutamente solitários, andarilhos das emoções, preocupados com a essência das coisas, colhedores de sonhos, estavam agora deitados no tapete da sala, enquanto o sol alaranjado dessa terra de Minas, sertão abrandado, cerrado, invadia silencioso a cena pela porta da varanda, e beijava os dois amantes antes de ir esconder-se nos confins do mundo.
Os dois se encontravam exaustos, exaustos de tudo, e olhavam-se nos olhos, sem desviar o olhar, se olhavam imensamente, conversavam em silêncio.
Mas ele rompeu o pacto e deixou que a realidade se tornasse instantaneamente concreta, sonoramente construída em forma de palavra.
“Te admiro, mas não entendo. Por que colocar o amor num pedestal? Por que não falar de amor? Por que não fazer amor? Nós dois estaríamos enfim preenchidos, essa solidão vazia, estaria extirpada, momentaneamente, eu sei, foi você quem me disse que momentos são eternos, e no efêmero encontraremos nosso infinito.”
“Mas por que se ater á normalidade? Não te pedi que jamais me tocasse, mas não me toque porque quem ama e é amado deve tocar. Não faça nada porque deve fazer. Experimente outras formas de amar. Me beije sem me encostar.”
Ela se arrastou, da ponta do tapete até muito perto dele. Seu corpo paralelo ao dele, sem encostarem-se, como duas retas paralelas, infinitamente próximas, tão perto que um sentia o calor da pele do outro.
Colocou-se de forma que seus rostos ficassem na mesma altura, embora ele fosse mais alto. E fechou os olhos.
Ele sentia o perfume de shampoo de seus cabelos rebeldes, e teve o impulso de abraçá-la, e segurá-la, e segurá-la até a eternidade que não acreditava, porque qualquer momento com ela era tão pouco para preencher aquela saudade antropofágica.
Mas conteve o impulso, ao invés disso, fechou também os olhos.
Ficaram sentindo aquela respiração quente e acelerada tocar-lhes, mutuamente, as faces. Logo ela foi se acalmando, criando ritmo, logo era uma única respiração, e era calmo, e a mente foi dando espaço para que se desfizessem em sentimentos, tão unidos que já não era possível discernir qualquer individualidade.
Talvez o amor seja isso, a paz de dissolver-se.
Ela abriu os olhos e agradeceu o beijo.

Um comentário:

  1. sempre muito difícil falar claramente de amor, e chegar a conclusões não é?
    muito singelo o texto!

    :)

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